Hoje penso que consigo entender o que quis dizer uma professora quando em uma aula professou uma frase que causou certa indignação entre os alunos. Ela disse algo como, é a antropologia que me permite conversar com o pedreiro, com a empregada...
Entendi que o conversar neste sentido, se estende a um aspecto maior e muito mais intenso do que um comentário sobre o tempo, ou um capitulo da novela. Mas com o sentido antropológico de entendimento do outro, e este “sentido de entendimento” para mim, pressupõe acima de tudo sensibilidade e vontade de olhar as pessoas e suas vidas, de querer olhar sem esta viseira social que encobre e sobrepõem as relações humanas.
Muito mais do que pretender olhar sem julgamentos, e sem a pretensão de tentar compreende-los, mas deixar-se observar e chegar a alguma conclusão que no fim são e somos seres humanos com valores, sentimentos, esperanças, moralidades e realidades.
Esta forma de ver e se ver, é de fato um exercício constante não é simples nem natural, necessita séries de reflexões da vida e seus significados. Que fazem com que você primeiro, aos poucos vai descobrindo ter esta tal viseira a cobrir sua compreensão de vidas, e depois tentar move-la por mais que saiba que tira - lá totalmente ainda é uma tarefa distante. Possível será? Não posso e nem tenho como tentar responder isso a altura de meus 24 anos.
E é nesta reflexão que em mim foi iniciada pela antropologia, ou ao menos, me foi tocada pela forma como está tenta intermediar o relacionamento dos seres, que me deu a oportunidade de nesta vida tão individual e individualizada de prestar a atenção em pessoas além de meus vínculos de interesses.
Como as tantas vezes que, uma mulher, um homem ou uma família vem tocar a campainha de minha casa, me tirar de meu mundo, para me pedir algo, vender algo ou algo assim. Antes do costumeiro não obrigado ou não sinto muito, hoje me vem – mais do que antes - o questionamento e ainda a curiosidade, de quem seria esta pessoa. De onde vem, por quantas casas ela já passou despercebida, quantos nãos ela já recebeu que a fizeram desanimar e desenganar da vida. Ou não. O que a faz ter que tocar companhias desconhecidas e vomitar discursos hoje já decorados, já naturalizados e conformados de uma realidade doída.
E eu com minha vida de estudante sobrevivendo também de uma forma improvisada, mas de uma maneira tão diferente e distante daquela pessoa, tento naqueles minutos de contato entender o que se passa com aquele ser que me aborda, e saber o que eu como outro ser posso fazer naquele instante por ela.
Nesta disposição, me vem toda uma realidade que tento estudar e discutir em meia dúzia de palavras e em alguns segundos de olhar acabo conhecendo:
Uma família que chegou do Paraná só com a roupa do corpo, homem, mulher e 4 crianças, que na verdade tinham saído do nordeste tentando a vida onde lhe coubessem e agora estavam em Marilia a minha porta pedindo qualquer, qualquer coisa para quem não tem nada.
Um tiozinho bêbado e inchado pedindo um pouco de comida pronta por que a família cansou de lhe sustentar.
Crianças que querem somente bolacha e se você dá, elas vêm todo dia pedindo mais.
Uma senhorinha japonesa que vem com seu carrinho vender salsinha, almeirão ou alguma coisa que colheu de sua própria horta que cuida com bastante zelo.
Uma mulher doida que pede um sabonete, um dinheiro e se você lhe da um pouco mais de atenção, ela logo se desinibe e lhe pede uma dose de qualquer coisa.
Um senhor que vende pão e gosta de ficar horas falando como seus clientes adoram o pão que sua mulher faz.
Entre tantas outras pessoas e histórias...
E eu que com minha verba tento administrar contas, aluguel, comida, xerox e cerveja, e com minha dispensa de macarrão, café e batata, tento reparar de uma maneira ínfima e impotente um pouco da desigualdade que tanto estudo e questiono.
Observo-os então ir a porta do vizinho com suas historias pesando lhes o ombro.
Não tenho como não me perguntar:
E aí ?!! por onde a antropologia saí?
(texto antigo, mas q ainda me faz sentido)
Quadro: Andreusa Ricci ( minha avó)