O Pão da Carina

Carina tinha a vida assim milimetricamente cronometrada, colocava o despertador para as 6 e 3 da manhã, levantava depois dos dez minutos da tecla soneca. 7 e 15 saia de casa e caminhava cerca de 13 minutos até o metro Conceição, e guardado os atrasos, demorava mais cerca de 13 minutos até a estação Ana Rosa, onde pegava um ônibus até o escritório que trabalhava no Itaim.

Um dia como todos os outros, estava na sua rotina de ir, por volta das 7 e 41 em direção as escadas rolantes, quando notou Ele que se destacava na multidão. Uma visão que surgia em sua direção, tinha um ar sonolento e um leve sorriso no rosto, como se ele não estivesse ali, no meio do transito de pessoas correndo com os seus horários exíguos para suas vidas atarefadas. Ele simplesmente caminhava...

Carina passou a avistá-lo quase que diariamente, ela o via de longe, com o seu andar tranqüilo, os cabelos ainda molhados, denunciando que acabava de sair do banho. Ela imediatamente sorria, e confabulava “ele deve morar há uns 5, 6 minutos daqui”.

E assim ela começou a antecipar a situação, prevendo encontrá-lo, começou a controlar mais minuciosamente seus horários para não perder a oportunidade de vê-lo.
Quando o via chegava no trabalho contando pra todo mundo. Sempre bom ter alguma novidade logo pela manhã, algo sobre o que falar no início do dia que não fosse sobre a novela, o tempo, ou falar mal daquela pessoa de sempre.

Claro que ela logo inventou um apelido pra ele, as mulheres precisam disso, de um nome pra dar ao seu objeto de fantasia, fica mais fácil assim criar suas características, e personalidade imaginária.
Não como os homens que não são nada complexos, pra eles basta dizer. “ Aquela peituda do xérox” que ta tudo resolvido, ou “ a bunduda do 101” e assim por diante.
Não, as mulheres precisam de algo mais, algo que acompanhe toda a dimensão de sua mente cebola com suas camadas de universos a parte.

Então ela começou o chamar de Pão, porque ele vinha assim fresquinho saído do banho, ela quase que via fumacinhas exalando dele.

Carina chegava no trabalho e a primeira coisa que dizia era, “ ai gente vi o Pão hoje!” e as colegas pra estimular, ou provocar diziam “ e ai? E ai?” ela suspirava e respondia, “e ai que ele é lindo”.
Os homens do escritório comentavam entre eles, em meio as litros de café, “ essa ai ta precisando é de uma boa trepada”. Pelo menos ela ganhou um apelido mais inventivo quando era comentada na roda masculina “ a maluca do pão”.
As mulheres já eram mais presentes, umas até incentivam, “ Ai vai lá menina! Fala com ele.” Mas Carina se desesperava. “ Mas vou falar o que? Vem ser o Pão do meu café da manhã?!Quero ser a manteiga do seu pão?!”. Todas riam e a história ficava por isso mesmo.



Mas o pão virou obsessão, Carina passou a acordar mais cedo pra se arrumar pra ele. Logo descobriu que a forma de se vestir tinha que ser do tipo mais tático, como ele a via só por alguns segundos de passagem, ele colocava uma roupa e passava assim de lado correndo no espelho, a que mais marcava no movimento era a escolhida. Por isso começou a usar vermelho, lenços coloridos e saias esvoaçante.

Chegava mais cedo no metro e ficava esperando só pra o ver passar, se atrasava constantemente no trabalho, logo ela que era tão pontual.
“Mas o que esta acontecendo com você Carina? O que tanto viu nesse cara?”. As colegas se preocupavam. “Há! Ele caminha leve e sorrindo... Que homem assim caminha sorrindo?”

Um dia Carina tomou uma atitude. Resolveu não mais o esperar lá em baixo, subiu as escadas e o procurou do lado de fora do metro, um dois três dias e nada. Até que um dia...
Seu ar faltou, sua vista turvou, perdeu o chão o rumo o sentido, não sabia como agir com o que estava vendo.
Seu Pão, seu Pãozinho assim sendo devorado em plena rua, sem requinte na maior displicência na boca de uma qualquer.
E foi assim que Carina aprendeu que homem quando anda sorrindo é homem que está apaixonado.
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