Da qualidade de ser musa



Lembro quando conheci a palavra “musa”, foi em um romance que lia quando tinha 11 anos. O personagem era um desenhista e dizia algo como, “nunca mais terei em tela os seios de minha musa.”
Como sempre recorri ao dicionário, “ Mamãe, mamãe o que qui é musa?”
Ela explicou que era uma mulher muito bela e amada, que inspira o artista criar obras sobre ela.
Pensei: “legal, quero ser musa”.
Mais ou menos igual quando eu tinha uns 7 anos, e perguntei pra minha mãe quem era o Pinochet. Ela querendo suavizar um ditador disse-me, “é um cara que obriga a todas as pessoas fazerem o que ele quer ”.
Então eu disse: “Legal! Quando crescer quero ser isso também.”
Minha mãe deveria ter enfiado o meu dedo na tomada, para eu ter noção do que é tortura, porque desde então eu cresci super mandona.   

Mas fiquei com essa coisa de musa na cabeça. A princípio não fui muito sutil, dado essa minha influência infantil Pinocheniana.

Tinha um colega na escola que passava os dias desenhando personagens de quadrinhos. Eu perguntei: “Você nunca desenha heroínas mulheres?. Dias depois ele trouxe um desenho, acho que da Vampira do X Man.  Ai eu falei : “ Ah, faz um desenho de mim como heroína?” E ele veio com outro desenho da Vampira, só que mais baixinha.

Não desanimei.
Um dia comecei a namorar um músico. De presente de aniversário pedi que ele me compusesse uma música. Ele fez uma música tão abstrata, e a meu ver até atonal, que ele nunca mais conseguiu toca-la de novo.

Enfim logo conheci os poetas, com estes era tudo mais fácil. Embebidos da segunda geração romântica, estão sempre sedentos por uma musa pra lhes dar alguma dor. E quanto mais você desdenhava mais poemas recebia.

Não que estes não dessem trabalho também. Você tem de ter muita autoconfiança pra acreditar que aquele poema do seu namorado, sobre uma noite inesquecível com uma mulher fabulosa, de olhos tão profundos que beiravam o lilás, era sobre você mesma.
Pior ainda, são aqueles que têm mania de misturar os relacionamentos em um poema só,
e você tem que ficar decifrando se é a lírica, a plácida ou a louca.

O ruim de ser musa é que sua vida fica meio exposta. Vai ser musa de um cara que escreve contos autorais, que fica cavando coisas mais escatológicas e bizarras pra divulgar por ai. Como a vez que foram viajar para um fim de semana romântico, e comeram camarões estragados de resseca de vinho barato. Que deu uma disenteria tão fudida que em quanto um cagava na privada, outro tinha que cagar no chão.

Outra coisa que é foda é ser musa desses caras que não tem capacidade artística, mas que são tão locos e bitolados que escrevem sobre você até em porta de banheiros públicos.

Também nunca fui uma musa muito fácil. Sou impar pra rimar, cinza em azáfama, áscua em álveo.
E logo meus artistas partem pra mulheres de apoios fonéticos mais recorrentes. Daniela de todas a mais bela. Fabiana no meu coração é soberana. Amanda minha vida você comanda. Ou  ainda aquela vaca da Cristina, com seu nome tudo rima.

Mas o pior mesmo é ser a musa de você mesma, que fica escrevendo coisas assim por não ter mais sobre o que falar.




Imagem: Velásquez " Vénus no espelho"
Picasso "Mulher ao espelho"




Um Sonho



Caminhava sobre muros da cidade, ela notou e passou a me seguir. Percebi sua intenção de relance, e  pulei faceira sobre telhados.
Ela brincou comigo, com longos e pesados cabelos negros envolvendo uma face misteriosa. Sua pele brilhava sobre o céu que hora se tornava claro, hora se tornava escuro.
Dançávamos e girávamos, um dos giros tornou-me à seguidora.
Em um majestoso salto se jogou para o fundo de uma enorme piscina em um azul bucólico.
Pulei atrás, experimentando a sensação da água em meu corpo.
Na parábola do mergulho, as solas de dois pés colidiram com força sobre o meu peito.
Perdendo tudo em mim pensei, “não sobreviverei a isso”.
Deitaram-me a borda da piscina, e o primeiro ar que consegui trazer foi só pra gritar,
“ Porque fez isso?”. Seu rosto sem face respondeu, “ Você também já fez isso”.
Cai em torpor sentindo os pelos ouriçando no frio de minha pele molhada.
Os pulmões exprimidos sob os ossos das costelas lutavam para estabelecer respiração, o coração esmagado compassava em dissonância 
“Não sobreviverei a isso!”
Exclamei com o que eu achei ser meu ultimo tormento.
Então meu pai debruçou-se sobre a minha face, com seus olhos verdes e sorriso debochado, me informou:
“Você só esta apaixonada.”




Imagem: Michael Parkes
Related Posts with Thumbnails